terça-feira, 29 de junho de 2010

COMER E COÇAR...



Diz o ditado português que "mais vale tarde do que nunca", mas talvez o mais apropriado para definir o que acaba de se passar seja "depois de casa roubada, trancas à porta".
O modo como a França se apurou para a fase final deste Campeonato do Mundo deveria ter sido suficiente para obrigar a FIFA a uma reflexão, de forma a prevenir erros, grosseiros, de arbitragem.
Mas assim não sucedeu, tendo a entidade que controla o futebol mundial preferido, uma vez mais, continuar a ignorar a realidade.
Afinal, do outro lado estava a Irlanda, país pequeno e economicamente menos importante, nesta coisa dos negócios do futebol...
Só que o Mundial começou e dois clamorosos erros de arbitragem ajudaram a afastar as selecções da Inglaterra e do México, dos quartos-de-final da competição, facto a que a FIFA já não poderia ficar indiferente, ou não estivessem envolvidas duas selecções de países com poder, efectivo, no mundo do futebol.
E a reacção não se fez esperar, tendo nós ficado a saber, agora, que o presidente, Joseph Blatter, pediu desculpa aos dois países, em nome da FIFA, e já admite reabrir o dossier da tecnologia.
Tomo a liberdade de transcrever as suas declarações, tal com são citadas na página da ESPN-Brasil,(http://espnbrasil.terra.com.br/copadomundofifa):

"É óbvio que depois da experiência nesta Copa do Mundo até agora seria algo sem-noção não reabrir a questão da tecnologia no encontro da FA Board (conselho que dita as regras do esporte) em julho. Pessoalmente, eu lamento quando você vê claros erros de arbitragem, mas isso não é o fim de uma competição ou do futebol, isso pode acontecer", disse Blatter.
"Ontem eu falei com as duas federações diretamente interessadas pelos erros da arbitragem, Inglaterra e México. Eu expressei a eles desculpas e entendo que eles não estejam felizes e que as pessoas estão criticando. Nós naturalmente levaremos em conta no conselho a discussão sobre tecnologia e teremos essa primeira oportunidade em julho na reunião", continuou.
"Isso aconteceu em 1966 e então 44 anos depois - embora não sido a mesma situação. Eu peço desculpas a Inglaterra e México. Os ingleses agradeceram e aceitaram que você pode vencer e perder, e os mexicanos acenaram com suas cabeças e aceitaram", revelou.
O presidente da Fifa, porém, explicou que o único caso que será discutido é o uso da eletrônica na linha do gol, e não se houve impedimento em algum lance.
"A única base que nós vamos trazer de volta para discussão é a tecnologia da linha do gol. Futebol é um jogo que nunca para, e se no momento houver uma discussão se a bola estava dentro ou fora, ou se era uma oportunidade clara de clara, nós damos uma possibilidade para uma equipe chamar por replays uma ou duas vezes, como no tênis? Para situações como no jogo do México, você não precisa de tecnologia".

Apesar das gralhas no último parágrafo, que reproduzo por questões de fidelidade, resulta claro que, para Blatter e a organização que representa, a preocupação não é a de melhorar a verdade desportiva, mas apenas corrigir erros demasiado grosseiros, como a invalidação de um golo, com a bola a ultrapassar, em mais de um metro, a linha de baliza.
Ou o presidente da FIFA e eu não vemos os mesmos jogos, ou justificar a não introdução do recurso ás novas tecnologias com o facto de o futebol ser "um jogo que nunca pára", só poderia dar mesmo para rir, se não se tratasse de assunto sério.
Quanto tempo útil tem um jogo de futebol? Quanto do tempo desperdiçado se deve a simulações de lesões e à entrada em campo de maqueiros que, à sua chegada, se revelam dispensáveis? Quanto tempo demoraria ao quarto árbitro rever, numa televisão, uma situação de fora-de-jogo clamoroso, como sucedeu no jogo do México, e a transmiti-la ao árbitro?
As justificações da FIFA para evitar a introdução de mecanismos que assegurem o respeito pela verdade desportiva, no futebol, não passam de desculpas de mau pagador, preferindo deixar aos homens do apito a responsabilidade por erros que demorariam segundos a corrigir. Vá lá saber-se porquê...
De todo o modo é inegável que estamos perante um avanço, no sentido do respeito pela verdade desportiva, pelo que tenho a esperança de que, também nesta matéria, se venha a justificar a aplicação, num futuro próximo, de um outro ditado português, segundo o qual "Comer e coçar, o pior é começar...".

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