domingo, 2 de agosto de 2009

PAPELADAS...



Dizia-me um amigo meu, há tempos, que "temos a mania de juntar papelada, que esperamos poder ler mais tarde, o que acaba por nunca acontecer, mas, apesar disso, juntamos", o que não deixa de ter o seu fundo de verdade, no que me diz respeito.
Tenho por hábito não deitar fora, de imediato, jornais e revistas, pelo que me vejo obrigado a realizar, de quando em vez, verdadeiras sessões de limpeza, como foi o caso este domingo.
É um trabalho demorado, mas interessante, porquanto acabo, sempre, numa última vista de olhos, por encontrar um ou outro artigo de que já não me lembrava, ou me tinha passado despercebido.
Foi o caso de uma excelente crónica de Clara Ferreira Alves, na revista Única, do Expresso de 28 de Março, sob o título "Os gloriosos anos 50".
Na sua prosa clara, e fácil, Clara transportou-me para o velho bairro da Bica, onde moravam os meus avós paternos, onde nasceu meu pai, e onde passei parte dos meus tempos de criança.
Como tão bem relembra na sua crónica, os tempos eram outros, em que tudo se consertava, as tesouras, as facas, os chapéus-de-chuva, os sapatos...
O ardina, o sapateiro, o engraxador e o amolador eram figuras do quotidiano e na mercearia comprava-se o açúcar amarelo e uma posta de bacalhau demolhado, por dez tostões...
Recordo velhos pregões de Lisboa, com mulheres subindo a escadaria da Bica, enquanto anunciavam:
"Quem quer figos, quem quer almoçar?" ou, "olha a sardinha linda"...
Lembro o saco do pão, que o filho da Tia Maria Padeira deixava pendurado na porta, todas as manhãs e os caracóis, deliciosos, do Sr Manuel, que custavam 10 tostões, o prato...
E jogava-se á bola no Beco dos Arciprestes...
Tudo isso me fez recordar essa crónica, que também fala de outras coisas dos anos 50 que, entretanto, se perderam.
Com bem refere Clara Ferreira Alves, "os códigos de honra eram apertados e as pessoas davam a palavra. As mãos tinham a sua importância nos anos 50", e tiveram durante a maior parte da década de 60, acrescento eu, que nasci em 54.
"Muitos dos contratos de bairro entre o comerciante e o cliente começavam pela palavra de honra e um aperto de mão.", porque havia honra, e respeito pela palavra dada. Os códigos eram outros...
Como Clara também refere, " a vitimologia ainda não tinha sido inventada.Muito menos o reality show e a venda da dignidade." e, talvez também por isso, "não existiam lares de terceira idade. Nem creches."...
O mundo mudou, e a sociedade também, voltando a citar Clara, "andámos um longo caminho. E agora que perdemos tantas coisas, talvez fosse bom recuperar algumas. Respeitar mais as concretas mãos e menos o dinheiro abstracto".
Valeu a pena ter passado o domingo a arrumar a papelada...!

Sem comentários:

Enviar um comentário