quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

PREPARANDO 2010

Era grande a agitação na aldeia Fé Em Deus.
Davam-se os últimos retoques na preparação da verbena que iria animar a passagem do ano.
As mulheres aguardavam, pacientemente, a sua vez, no salão da France Cabeleireira, para darem um jeito no cabelo, e deixarem aos cuidados da manicura o restauro das unhas, desgastadas pela lida da casa.
No salão, naturalmente, as conversas eram dominadas pelas últimas notícias da moda, o último episódio da novela, e uma, ou outra, coscuvilhice.
Já no Café Central, onde se reuniam boa parte dos homens, o futebol dominava as conversas, embora também se falasse de automóveis e dos atributos físicos das actrizes da nova novela.
O Manecas e o Nando ocupavam a sua mesa habitual, trocando algumas alfinetadas quanto ás perspectivas de evolução dos seu clubes, durante a segunda metade do campeonato.
O padre Manuel, que acabara de entrar, acercou-se deles, para os cumprimentar, e logo foi convidado a sentar-se.
-Faça o favor de se sentar, senhor padre, será um prazer oferecermos-lhe um cafezinho, disse o Nando, enquanto puxava de uma cadeira.
-Obrigado meus filhos, tomei café há pouco, mas faço-vos companhia, com o maior prazer. Como sabem, a minha especialidade não é o futebol, pelo que temo não estar ao nível, para discutir o assunto convosco.
-Pode até nem saber muito de futebol, mas a verdade é que o padre Manuel é um grande treinador de almas, o que já não é pouco, retorquiu o Manecas.
-Sim senhor, ora aí está uma metáfora aplicada no momento certo, e com graça, admitiu o padre.
-O padre Manuel é que não sabe, mas aqui o Manecas está feito um ás nessas coisas. Imagine que, agora, até é poeta, gracejou o Nando.
-Pois muito me contas, meu filho. Poeta? E podem-se conhecer esses poemas, perguntou o padre, surpreso, ao perceber que o Manecas tinha outros interesses, fora da profissão, para além do futebol, e do seu Benfica.
-São coisas menores, padre Manuel, não valem o papel onde são escritas. Na verdade, não passam de um entretenimento de um simples barbeiro.
-Ainda assim, meu filho, tinha muito gosto em poder conhecer o que escreves.
-Anda lá, ó Manecas, saca lá do bloco, e lê, para o senhor padre, o poema que fizeste, sobre o ano novo.
-Isso mesmo, meu filho, faz-me lá essa vontade, insistiu o padre.
-Bem, pois seja, mas não quero que isto se torne num hábito, que a minha profissão é de barbeiro, e não de escritor, que não tenho jeito para tanto.
E lá abriu o seu bloco de notas, um pouco embaraçado, iniciando, pausadamente, a leitura:

Findou-se um ano, e logo outro começa
Como o acto seguinte, numa peça
Só que esta é mais difícil, mais comprida
A estória é mais complexa, mais travessa,
O povo cai, levanta-se, ou tropeça
Ao longo desta longa peça, que é a vida.
Com o novo ano, renovam-se as esperanças
Com sonhos, e desejos, quais crianças
Apesar dos escolhos e das contrariedades
Formulam-se votos, enquanto o tempo avança
Com alguns, poucos, sinais de esperança
Num mundo melhor e respeitador das liberdades.

- Tenho dito, completou o Manecas, como sempre fazia, terminada a leitura dos seus poemas.
-Nada mal, meu filho, nada mal, confesso-me impressionado, positivamente, afirmou o Padre Manuel.
-Foi o que eu lhe disse, senhor padre, para um barbeiro, até que nem está nada mal. Ainda acaba a escrever outro hino para o Benfica, chacoteou o Manecas, que nunca perdia uma boa oportunidade.
-Nem sequer respeitas a presença do senhor padre, meu lagartão de uma figa, ripostou o Manecas, entre sorrisos. Eu respondia-te, mas como estamos em época de concórdia...
-Meus filhos, vocês são muito divertidos, e boa companhia, mas tenho de ir andando.
-Com certeza, senhor padre, responderam, quase em coro, levantando-se, reverentemente. Encontramo-nos logo, na verbena. Feliz Ano Novo!
-Obrigado, meus filhos, feliz final de ano e que o ano de 2010 venha recheado de Paz, Saúde, e Amor, para todos. E tu, Manecas, continua a escrever, que faz bem ao espírito.
-Assim farei, senhor padre, para me entreter.
-Fiquem na Paz de Deus, rematou o padre, enquanto se afastava.
E lá seguiu, a passos largos, na direcção da igreja, com o poema do Manecas Barbeiro na lembrança.
-Quem diria que o Manecas era dado á poesia? A vida é uma caixinha de surpresas...

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