quarta-feira, 23 de março de 2011

O MAL-AMADO


Desde a minha juventude que sou mais dado à defesa de ideais do que ao seguidismo de personalidades.
Habituado a questionar, nunca fui dado a "ismos", e, muito menos, a defender, incondicionalmente, de quem quer que seja.
Fazendo da lealdade um dos principais princípios de vida, fui-me apercebendo que se trata de um comportamento em via de extinção, na sociedade moderna, e quase desprezado, há muito tempo, na política, e nos negócios.
Mas as coisas são como são, e não como gostávamos que fossem, e lá tenho aprendido, embora a custo, a conviver com isso...
Tal como não concebo, no futebol, que os adversários sejam considerados inimigos, também em matéria de opções políticas me habituei a respeitar os que não partilham as minhas opiniões, mas sempre pensei pela minha cabeça, e me recusei a seguir, cegamente, quem quer que fosse.
Daí que expressões como "soarismo", "cavaquismo", e por aí adiante, pouco significado tenham para mim, o mesmo sucedendo, naturalmente, com o "socratismo". O que não significa que, em determinados momentos, não me identifique com a acção desenvolvida pelos líderes dessas correntes, e defenda a sua acção.
Escrevo estas linhas a poucas horas da rejeição do PEC 4, pelo Parlamento, que ditará a queda do Governo, com consequências que, decerto, terão sido bem avaliadas por todos os intervenientes, mas que não auguram nada de bom...
E escrevo para dizer que, discordando, embora, de vários comportamentos, e decisões, do actual primeiro-ministro, José Sócrates, lhe reconheço o mérito de tentar reformar vários sectores da sociedade portuguesa, afrontando interesses instalados como muito poucos se atreveram, e atrevem, a fazer.
Talvez por isso, digo eu, o ódio de estimação que alguns lhe dedicam, como os funcionários públicos e os professores, apenas para dar dois exemplos.
Quem ainda se lembra da célebre polémica sobre o encerramento de algumas maternidades, sem condições, e do argumento de um líder oposicionista, de que os bebés iriam nascer a Espanha?
Quem recorda o papel das oposições no célebre caso da avaliação dos professores, e da reforma de um sistema educativo que, a bem ou a mal, precisa de ser reformado?
Sócrates está a pagar, na minha modesta opinião, o custo de ter afrontado demasiados interesses ao mesmo tempo. Paga ele, e paga o país, com a crise política em que se encontra mergulhado.
Médicos, magistrados, funcionários públicos, professores, farmácias, enfim, é muita gente para se afrontar, ao mesmo tempo.
A queda do actual governo é, no fundo, o corolário desse conjunto de afrontas a diversos poderes estabelecidos, e algo que estava previsto desde a perda da maioria absoluta, no Parlamento.
Por mais politicamente incorrecto que isto possa parecer, recuso a demonização de Sócrates, que parece estar na moda, e atrevo-me a dizer que poucos, no seu lugar, teriam resistido a tanto.
O discurso de tomada de posse do actual Presidente da República deu o tom para aquilo a que temos assistido nestes dias, e o seu silêncio, num momento tão grave, para o futuro, próximo, do país, ajuda a definir Cavaco Silva, como estadista...
Infelizmente, o comportamento dos partidos, com assento parlamentar, e respectivos líderes, quando analisado sob a perspectiva do interesse nacional, é um comportamento para lamentar, porque assente em objectivos de carácter partidário, e de poder, que pouco, ou nada, têm que ver com os interesses dos cidadãos. Mas essa é, infelizmente, uma prática em que todos, sem excepção, são useiros e vezeiros.
Portugal vive, há muito, acima das suas possibilidades, pelo que, a bem ou a mal, será preciso levar a cabo reformas estruturais e cortes na despesa pública, que obriguem os portugueses a viver de acordo com as suas possibilidades. E todos sabemos que, apesar da retórica, serão sempre os mesmo a pagar...
No que me diz respeito, prefiro as medidas do actual Governo ás que nos serão impostas pelo FMI, e acredito que o mesmo sucede com a maioria dos portugueses. Mas a política, no pior sentido do termo, falou mais alto, e os portugueses voltarão a ser confrontados com uma campanha eleitoral, que antecipo agressiva, num momento em que se recomendava a união de esforços.
Nada devo a Sócrates, que nem sequer conheço, ou ao seu governo, apesar de ser simpatizante do Partido Socialista, mas ficava de mal com a minha consciência se não deixasse claro aquilo que penso, num momento em que a queda do Governo está por horas, e muitos ratos se aprestam para abandonar o navio...

Sem comentários:

Enviar um comentário