Era a hora do almoço, e o Manecas Barbeiro tomava a sua bica, no Café Central, escrevinhando no seu bloco de notas.
-Boas, diz o Nando, acercando-se dele. Estás muito caladinho, ó Manecas, o que é que se passa?
-Olá Nando, pelos vistos queres conversa, respondeu-lhe o Manecas, guardando o bloco.
-Eu? Conversa? Nada disso, fiquei foi admirado, por te ver tão caladinho, sentado aqui no canto, escrevendo.
-É verdade, há dias assim...
-E o que escrevias, pode saber-se?
-Nada de especial, versejava, a propósito do novo ano.
-Mais um hino aos lampiões, tá visto.
-Nada disso, coisa bem mais séria, mas, mudemos de tema. Queres um café? Ó Silva, um café aqui pró Nando, que forreta como ele é, se eu não pagar ele não bebe.
-Mas que rico sacaninha me saíste, ó Manecas. Forreta, eu? Até sabes que não é verdade.
-Deixa lá isso, ó Nando, não te amofines. Foi só para mudar de conversa.
-Que era, justamente, o que eu não queria. Podem-se ver, esses versos, perguntou, sem conseguir esconder a curiosidade.
-Poder, podem, mas são coisa sem valor, apenas para passar o tempo, enquanto penso na vida.
-Então venham de lá esses versos, que a gente gosta de conhecer os dotes artísticos dos nossos. Não é verdade, ó Silva?
-O Nando tem razão, ó Manecas. Afinal, de que te servem os versos, se os não leres para ninguém?
-Isto são coisas minhas, um entretém sem qualquer valor. Mas, se vocês insistem, cá vai.
E, abrindo o seu bloco, o Manecas iniciou, compenetrado, a leitura dos seus versos:
Mais um ano que termina
Com festas, e adrenalina
Celebrando um novo ano
Muita festa nos salões
Gente e mais gente, aos milhões
Tudo num perfeito engano
O ano que vai chegar
Pode, até, nos bafejar
Mas nunca será perfeito
Porque para quem nada tem
Nem saúde, nem vintém
Será um ano sem jeito
A Paz, a Saúde, o Pão
Não chegam a todos, não
Frustrando a nossa vontade
E lembrá-lo, nesta hora
Em que o mundo comemora
Tem uma finalidade
Já terminado o Natal
Uma quadra especial
De Paz e Boa Vontade
Lembremos, no Novo Ano
Sem tibieza ou engano
Que sem solidariedade
Aquilo que celebramos
E as coisas que desejamos
São mera trivialidade...
-Tenho dito, acrescentou o Manecas.
-Ó Silva, para um barbeiro, até que nem está nada mal, não senhor, atirou o Nando. Saíste-me cá um poeta...
-Eu já sabia, ler poesia a um farmacêutico, é o que dá. Pérolas a porcos, é o que é...
-Ó Manecas, não ligues. Eu gostei, atalhou o Silva, sempre conciliador.
-Ora muito boa tarde para bocês, disse, bem alto, o Monas Picheleiro, que acabava de chegar. Estabam a discutir mais alguma contratação? Debe ser da época dos saldos, agora chegam aos magotes...
-Ó Monas, tu queres fazer o grande favor de te ires encher de moscas? Atirou, de imediato, o Manecas. Olha, e já agora, enquanto vais, aproveita e paga os cafés, que nós temos que ir trabalhar.
E lá se levantaram, o Manecas e o Nando, com este a dizer-lhe, em surdina:
-Agora estiveste bem, ó Manecas. O Monas nem estrebuchou...
E lá se dirigiram para a porta, ouvindo, distintamente, ao longe, a voz do Monas:
-Ó Silva, desta bez bem me lixaram, aqueles morcões...
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