Cetra era o escudo usado pelos Lusitanos. Este é o meu cetra, para defesa das minhas opiniões e evitar que a memória se perca...
quarta-feira, 29 de julho de 2009
BAPTISTA BASTOS
Sou, desde que me lembro, admirador de Baptista Bastos, do escritor, do jornalista, do entrevistador televisivo,enfim, do Homem.
O artigo que hoje surge no jornal Público, e que, abaixo, reproduzo, ilustra bem a sua personalidade e carácter, tratando um tema que, infelizmente, é cada vez mais actual...
Educação para o ódio
por Baptista Bastos
Sempre julguei, ingenuamente, que a democracia boleasse as arestas desses ódios. Nada disso.
Quando o grande poeta Paul Celan saiu de Auschwitz, onde sofrera impiedosos tormentos, foi visitar Heidegger, acaso o maior filósofo do século XX e nazi nunca arrependido. Sabe-se que conversaram de tudo, sem omissões ou rasuras, e Celan não ocultou o prazer experimentado durante aquelas duas horas de convívio. Mas esta era outra gente, independentemente dos gostos e convicções. Em tempos, fui criticado por estimar e defender João Coito (que chefiou a redacção do Diário de Notícias), meu saudoso amigo e salazarista indefectível. E João Coito era reprovado, pelos seus correligionários, devido à afeição que por mim publicamente manifestava, sobretudo em artigos n'O Diabo. Esta relação situava-se no campo da honra e da integridade, se me permitem fazer uma paráfrase da explicação dada por Celan, e tomando as distâncias devidas entre nós e eles.
Dá-se o caso de, na década de 60, depois de despedido de O Século, por envolvimento na Revolta da Sé, e vivendo numa semiclandestinidade, o João Coito moveu céu e terra para eu entrar como redactor no Diário de Notícias. O meu amigo era um homem influente, mas não tanto que conseguisse opor-se a César Moreira Baptista, corifeu do regime e meu raivoso inimigo. Preparava-me para viajar até Paris e, depois, seguir para a Checoslováquia. O Urbano Tavares Rodrigues obtivera uns papéis falsos, encontrámo-nos na Pastelaria Smarta, de súbito deu-me a saudade futura de Lisboa, decidi ficar. Dormi em casa do Fernando Lopes e comi na mesma mesa fraterna. Um dia, diz-me que Manuel Figueira, chefe de Redacção do Telejornal, quer falar-me. Almoço na Varina, Parque Mayer, centro do nosso mundo, e, no final, Figueira convida-me a redigir notícias para a televisão, com, apenas, uma reserva: os recibos seriam assinados sob pseudónimo. Assim nasceu Manuel Trindade, nome de ressonâncias eclesiásticas, até que, denunciado, fui afastado, num despacho de Moreira Baptista, pobre homem.
A vida é o que é. Não me queixo, envelheço sem espanto e com ironia e vou-me divertindo, chateando uns tunantes que por aí andam. Lembrei-me, agora, destas historietas afáveis, ao ler alguns preopinantes de uma direita odienta, que confundem o desdém por delatores com fanatismo partidário. Os que nasceram sob Salazar foram educados para o ódio. De um e de outro lado. Porém, sempre julguei, ingenuamente, que a democracia boleasse as arestas desses ódios. Nada disso. Renasceu um movimento retardado de rancorosos, sem talento, sem grandeza e sem generosidade, mas com aleijões morais e prosa de mau hálito. Os netos de Salazar são incapazes de seguir os exemplos de Celan e de Heidegger. Porque continuadores do mais desprezível dos modelos.
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