Cetra era o escudo usado pelos Lusitanos. Este é o meu cetra, para defesa das minhas opiniões e evitar que a memória se perca...
quarta-feira, 30 de junho de 2010
CARTA ABERTA A CARLOS QUEIROZ
Meu Caro Carlos Queiroz
Decerto que não levará a mal esta minha ousadia, mas senti que lhe devia dirigir esta carta.
Como amante do futebol, acredito que a popularidade do jogo reside no facto de ser simples e compreensível por todos, permitindo uma total identificação dos adeptos com a problemática que o envolve, servindo de justificação para a existência de tantos programas desportivos, tantos jornais, tantos comentadores e tantos treinadores e seleccionadores de bancada.
É na dupla qualidade de adepto e português que me permito dirigir-lhe esta carta, que não tem como objectivo chorar sobre leite derramado, mas apenas sugerir uma forma diferente de encarar o futuro.
Faço-o agora, depois de Portugal ter sido eliminado, com justiça, pela Espanha, quando você deixou de ser o “bestial” em que se tornara, após a vitória sobre a Coreia do Norte, para voltar a ser a “besta” que tinha sido, até ao jogo com a Costa do Marfim, porque considero importante que se analise, desapaixonadamente, o que correu mal. Não para desancar quem quer que seja, mas para que possam ser efectuadas as alterações que se tiverem por necessárias.
Você sabe que voltou à “mó de baixo”, se é que alguma vez de lá saiu, relativamente à opinião de muitos portugueses que gostam de futebol, mas não creio que isso possa constituir motivo de espanto para si, homem habituado a estas coisas e conhecedor da nossa propensão para passarmos, num ápice, do estado de euforia à depressão e vice-versa, pelo que acredito que dispensa solidariedades bacocas.
Confesso-lhe que aprecio o seu trabalho, que já aqui defendi por diversas vezes, e acredito na sua capacidade para pensar, organizar e renovar as estruturas do futebol nacional, o que me levou a saudar o seu regresso à Federação Portuguesa de Futebol e me leva, agora, a desejar a sua continuidade.
Não que eu considere brilhantes os resultados desportivos que conseguiu, mas porque entendo que o nosso futebol não pode prescindir dos conhecimentos e da capacidade de organização de que você já deu provas.
Por isso defendo a sua continuação como responsável pela organização de todo o futebol nacional, nos seus mais diferentes aspectos, sem as funções executivas relacionadas com o cargo de treinador.
Digamos que você faria as vezes do nosso saudoso Manuel da Luz Afonso, embora com funções mais abrangentes, tendo a seu lado uma figura como a do não menos saudoso Otto Glória, a quem competiria treinar e dirigir a selecção nacional, sénior, supervisionando o treino das restantes.
E se defendo esta opção é porque entendo que a sua continuidade ao serviço das selecções não pode estar dependente dos resultados dos jogos, sem negar que me desagrada a sua opção por um modelo de jogo que privilegia demasiado os aspectos defensivos, mesmo perante adversários de valia manifestamente inferior, desperdiçando o talento e a magia de alguns dos nossos jogadores, em particular de Cristiano Ronaldo.
Acreditei que, depois da exibição conseguida, na segunda parte do jogo, contra a Coreia do Norte, você iria optar por um modelo menos fechado e tentaria lutar pela conquista do primeiro lugar no grupo. Mas mesmo quando o não fez, admiti que apenas estivesse a resguardar alguns jogadores, para poder atacar a segunda fase da competição com uma estratégia mais ousada.
Puro engano, da minha parte, porquanto você estava, de facto, a aproveitar um jogo cujo resultado era indiferente, em termos de apuramento, para testar a organização defensiva para a eliminatória com a Espanha, como se veio a comprovar.
Sem discutir a bondade das suas opções, em matéria de jogadores utilizados, parece-me claro que você apenas se preocupou em jogar à defesa, com as consequências que todos conhecemos.
Responder-me-à que, se tivéssemos ganho ninguém discutiria o carácter demasiado defensivo do futebol praticado e eu não poderei deixar de estar de acordo consigo.
Acontece que, no futebol, como na vida, são os resultados que contam e se encarregam de justificar, ou não, a bondade das estratégias adoptadas, como foi demonstrado pelo ultra defensivo Inter, de José Mourinho, no jogo em que eliminou o Barcelona, na Liga dos Campeões.
Mas parece-me inegável que Portugal saiu do Mundial sem glória e com o estigma de ser uma selecção demasiado defensiva e calculista, apesar da criatividade de muitos dos seus jogadores, que não apenas Cristiano Ronaldo.
Cristiano Ronaldo que terminaria o Mundial debaixo de duras críticas, por acção e omissão, e acabaria por ser, também, uma vítima de um esquema táctico que não contribuiu para que pudesse expressar todas as suas qualidades futebolísticas.
Não penso que seja da exclusiva responsabilidade do jogador a sua decepcionante actuação e lamento dizer que, se alguma conclusão pode ser retirada desta sua participação, é que ainda não reúne as condições necessárias para poder capitanear a selecção nacional.
Admito que a participação de Portugal possa ser considerada honrosa, tendo em conta que apenas sofremos um golo e fomos eliminados pelo campeão europeu em título, mas terá de concordar que o modelo de jogo adoptado não prestigiou o futebol português.
Facto que não pode, nem deve, ser utilizado para pôr em causa as suas, inegáveis, qualidades, enquanto responsável pelas selecções nacionais, e muito menos para ignorar tudo o que de bom foi feito, como já começaram a fazer muito dos seus críticos.
Parece-me claro que é preciso reavaliar o modelo organizativo em que assenta o nosso futebol e efectuar as alterações que se revelem necessárias, mas não acredito que os actuais dirigentes federativos tenham capacidade para liderar esse processo.
Por isso e porque o considero um homem de bom senso, capaz de fazer uma auto-crítica, atrevi-me a escrever-lhe esta carta, para lhe sugerir que aceite o desafio de diagnosticar e promover as mudanças estruturais necessárias, proponha a redução das funções que lhe estão atribuídas e entregue o cargo de treinador a alguém de reconhecida competência, para que possamos vir a dar do futebol português uma imagem diferente daquela a que ficámos associados, neste Campeonato do Mundo.
Reconheço que não é um assunto fácil, mas acredito, atentas as suas qualidades intelectuais e humanas, que não deixará de reflectir sobre a bondade desta minha sugestão.
Aceite os cordiais cumprimentos, deste seu admirador
Rui Mascarenhas Santos
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