Sou um leitor, regular, do jornal i, que considero um dos melhores jornais portugueses.
Na sua edição de hoje, o jornal publica uma excelente crónica, de Francesco Alberoni, daquelas que me fazem sentir pena de não ser um escritor...
Pela qualidade da prosa, e o modo como trata um tema sempre actual, entendi que valia a pena reproduzi-lo aqui.
Espero que tenham tanto prazer na sua leitura quanto eu...
visto de fora
O medroso propriamente dito e o medroso vil
por Francesco Alberoni
Publicado em 27 de Outubro de 2009
Entre o medroso, o que agiganta as dificuldades e recua perante tudo, e o medroso vil há um mundo de diferença. O primeiro só se prejudica a si próprio; o segundo prejudica os outros.
O medroso treme perante as dificuldades, agiganta-as. Mesmo quando inicia uma nova aventura, como uma viagem, uma relação amorosa ou a compra de um apartamento, repensa tudo, cheio de dúvidas. Talvez a viagem seja demasiado perigosa, pois os pais ficam em casa e vão sentir-se sozinhos; no caso da relação amorosa, já não tem a certeza dos seus sentimentos nem dos do seu par. Nessa altura treme, transpira, decide não partir, procura ser tranquilizado, desmarca compromissos. É um desgraçado que só faz mal a si próprio.
O vil, pelo contrário, é um medroso cheio de dúvidas que começa por decidir uma coisa e depois decide o contrário e acaba por prejudicar quem contava com ele e confiava na sua palavra.
Na guerra, aqueles que vacilam e dizem que não estão de acordo suscitam desprezo. Todavia, é muito mais grave o caso dos que se oferecem como voluntários. São-lhes atribuídas missões delicadas, ganham a confiança dos companheiros, que contam com a sua coragem, e depois, quando se inicia a refrega, ficam tolhidos pelo medo, imóveis, escondidos e, por culpa deles, dá-se o massacre. Estes não são medrosos, são vis.
Apresentei um exemplo bélico, mas todos sabemos o que acontece na vida de todos os dias. Há um amigo que faz um acordo connosco para constituir uma sociedade. No início é entusiasta, facilitador. Depois de nos expormos, de termos contraído dívidas, fica cheio de dúvidas e desaparece. Ou uma pessoa larga o emprego porque alguém lhe prometeu outro melhor.
Diz que controla tudo, que não há problema nenhum. Depois acabamos por descobrir que, na reunião decisiva, nem sequer propôs o nosso nome, por temer demasiada exposição. Mais um vil.
Os inovadores são os mais expostos a este perigo. Quando Lawrence escreveu "O Amante de Lady Chatterley", os amigos apreciaram o livro e consideraram-no uma obra-prima, mas foram poucos os que o defenderam depois. O mesmo aconteceu a Nabokov quando escreveu "Lolita". São tão poucos os que têm coragem para dizer e escrever aquilo em que acreditam e aquilo que pensam! Fazem-no em privado, mas em público temem as objecções, as condenações, as críticas... E quantos não têm a coragem de cumprir a palavra dada! Habitualmente fazem-no por oportunismo: assim que vislumbram um perigo ou uma vantagem, mudam de ideias.
Mas também há quem não seja capaz de cumprir o que promete por ser moralmente fraco. Por ser vil.
Sociólogo, escritor e jornalista
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