Ontem estive no estádio do dragão, a assistir ao jogo do Porto, contra o Benfica.
Digo contra, propositadamente, e não com, pois antes, durante e depois do jogo vivia-se um ambiente de batalha e não o de um encontro de futebol entre clubes rivais.
Escrevo sem conhecer a opinião de especialistas e comentadores sobre o que se passou, quer no campo, quer fora dele, mas ciente de que a continuar assim, o futebol português vai por muito mau caminho.
Mas, vamos por partes:
1. Em matéria de futebol, o Porto acabou por ganhar bem um encontro em que os jogadores do Benfica me pareceram desconcentrados, até apáticos, em vários momentos do jogo.
Admito que os cartões amarelos com que o árbitro "brindou" 3 jogadores, na fase inicial do jogo, possam ter tido influência no comportamento da equipa, mas não pretendo valorizar, demasiado, esse aspecto. Aliás, Jorge Jesus esteve muitíssimo bem ao desvalorizar os erros de arbitragem, nos comentários finais ao jogo.
Mas também não excluo que tenha havido algum excesso de confiança por parte de uma equipa que demonstrou, ao longo da época, ser claramente superior ao adversário, conjugado com uma natural ansiedade, que se compreende.
Seja como for, o Porto ganhou bem, mas não duvido que o Benfica acabará por ver consagrada a sua superioridade neste campeonato, no seu estádio e perante o seu público, no próximo domingo.
Melhor assim, digo eu, pois perante tudo aquilo a que assisti no fim-de-semana, não sei o que poderia ter acontecido se o Benfica tivesse assegurado a conquista do título no Porto...
2. O que se passou antes do jogo, só pode ser qualificado com uma palavra: vergonhoso!
Com esta nossa mania das originalidades, alguns órgãos de comunicação social entrevistaram, no sábado, o líder de uma das claques do Porto, para avaliarem da possibilidade de existência de possíveis confrontos, o qual se aprestou a afirmar que ia ser muito difícil impedi-los, face à frustração dos seus "comandados" com tudo o que se passou durante a época desportiva.
Está gravado, pelo que ninguém pode argumentar que foi apanhado de surpresa..
Curiosamente, também no sábado, o jornal Record publicava uma entrevista com um antigo jogador do Porto, na qual ele sugeria que o seu clube poderia colocar uns "stewards" no túnel de acesso ao relvado, para provocarem os jogadores do Benfica...
Mas estas declarações não parecem ter sido suficientes para alertar as autoridades, nem mesmo quando conjugadas com a notícia da compra de centenas de bolas de golfe, por parte da claque portista, pelo que o autocarro em que seguia a equipa do Benfica acabaria por ser apedrejado e bolado, em duas ocasiões distintas, uma delas à entrada para o estádio...
3. O ambiente de hostilidade entre os adeptos dos dois clubes, antes e durante o jogo, não tem qualificação possível.
Não falo das claques organizadas, porque essas, infelizmente, já nos habituaram a esse triste espectáculo de falta de educação, que é o menos que se pode dizer sobre o comportamento selvático com que as claques brindam os opositores. E nesta matéria não existem santos, são todos pecadores.
Mas também é evidente que esses comportamentos só são possíveis porque alguém facilita a entrada de petardos, "very light", bolas de golfe, paus e outros artefactos, pelo que, no mínimo, se pode questionar a eficácia do trabalho dos "stewards" e das forças policiais, quando do controlo das entradas no estádio...
Mas o mais chocante, como disse, nem foi o comportamento das claques, mas sim o ódio que vi espelhado na cara e nas atitudes de adeptos supostamente "normais", sendo muitos os que, com idade para terem juízo, deram mostras de total fanatismo e tiveram comportamentos provocatórios incompreensíveis.
Sentia-se, acreditem que não é exagero, um verdadeiro clima de ódio entre os adeptos, pronto a descambar em violência ao mínimo pretexto.
Durante o meu regresso a Lisboa, foi-me impossível deixar de reflectir sobre o que se passou e reforcei a convicção de que o futebol português não vai no bom caminho, enquanto se verificarem comportamentos como aqueles a que assisti.
Devo admitir que cheguei a recear pela minha integridade física, sobretudo a partir do momento em que alguns adeptos do Porto se aperceberam que na bancada lateral, em que me encontrava, estava um reduzido número de apoiantes do Benfica, identificados quando cometeram a "imprudência" de aplaudir único golo marcado pelo seu clube.
Quando um espectador que paga €65 por um bilhete para assistir a um jogo de futebol, sente que não estão criadas condições para que o possa fazer em segurança e se vê obrigado a abandonar o estádio antes do jogo terminar, receando pela sua integridade física, é o próprio espectáculo que está em causa.
Foi isso que aconteceu, ontem, a vários benfiquistas, mas quero deixar claro que este tipo de comportamento não é exclusivo dos adeptos do Porto e não ignoro a existência de situações semelhantes envolvendo adeptos do Benfica, do Sporting e de outros clubes, todos condenando com igual veemência.
Mas pergunto-me como podem as autoridades e os organizadores de um espectáculo, cada vez mais caro, dar-se ao luxo de pactuar com este clima de violência e intimidação?
E interrogo-me por quanto mais tempo continuarão os dirigentes a alimentar esta fogueira de suspeição e ódio entre clubes, que deveriam ser capazes de conviver em saudável rivalidade, permanecendo indiferentes ás suas nefastas consequências para o futebol, que tanto dizem defender?
Ninguém ignora que a rivalidade é essencial ao futebol e a toda a indústria que a ele está associada, mas muito mal estão as coisas quando se permite que as paixões que lhe estão subjacentes ultrapassem determinados limites. Ou, pior ainda, quando se chega ao ponto de serem alguns dos intervenientes a incentivar essa ultrapassagem...
Dentro das quatro linhas, o futebol português está longe de ser um exemplo de "fair play" e de respeito pelos adversários, sendo comum o recurso à simulação, quer para ganhar tempo, quer para se "cavarem", expressão tão do agrado das gentes do meio, faltas inexistentes e as respectivas punições.
É verdade que a falta de qualidade das arbitragens também não ajuda, mas não é menos verdade que os intervenientes nada fazem para facilitarem o trabalho dos árbitros e contribuírem para o respeito pela verdade desportiva. Bem pelo contrário.
Mas não deixa de ser curioso que, em nome dessa verdade desportiva, antes e depois dos jogos, assistamos a discursos inflamados de jogadores, técnicos e dirigentes, que não hesitam em recorrer a todo o género de insinuações e suspeições para justificarem o insucesso desportivo.
E vale a pena acrescentar que muitos destes comportamentos e práticas contam com a preciosa colaboração dos meios de comunicação social, onde muitos comentadores e analistas tentam disfarçar, sob a capa do jornalismo, a clubite aguda de que enfermam, cuja contribuição para o actual estado em que se encontra o futebol português não pode ser menosprezada...
Em matéria de segurança nos estádios e em volta deles, parece-me claro o processo de acelerada degradação, com os famosos "stewards" a comportarem-se, cada vez mais, como adeptos do clube que os contratou, em vez de assumirem a função de auxiliares na manutenção da ordem, como lhes competia, e a crescente e indesculpável apatia das autoridades policiais face a comportamentos que colocam em causa a ordem pública.
Perante tudo isto e o muito mais que se poderia dizer, os responsáveis pela Liga, pela Federação e até o próprio Governo, preferem assobiar para o lado...
Tudo isto me ocorreu durante o regresso a Lisboa e interrogando-me sobre se poderá continuar a ser assim, por muito tempo, acabei por concluir:
Poder, até pode, mas depois não se queixem...
PS: Uma nota final para louvar a sensatez do comunicado emitido pela SAD do Benfica, na sequência da vandalização do autocarro que transportava os jogadores e equipa técnica.
Em contraponto, o silêncio da SAD do Porto sobre os incidentes foi ensurdecedor...
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