Cetra era o escudo usado pelos Lusitanos. Este é o meu cetra, para defesa das minhas opiniões e evitar que a memória se perca...
domingo, 17 de abril de 2011
MORREU O GONÇALVES DA SILVA!
Faltavam poucos minutos para as 10 da manhã, quando o telefone tocou.
Do outro lado, o Carlos Manuel, seu filho, dava-me a notícia que eu esperava nunca ter de receber:
- O velhote não aguentou!
O velhote a quem ele se referia, era o pai, Fernando Gonçalves da Silva, o "Gordo", para os amigos.
Um homem bom, um "coração de vaca", como tantos diziam, tamanha era a pureza, e nobreza, do seu carácter.
Um dos raros Homens genuinamente bons, que tive o privilégio de conhecer.
UM GRANDE AMIGO!
Conheci-o como meu primeiro chefe de secção, na banca, na secção do ultramar, do Banco Português do Atlântico, no dia 7 de Março, do ano de 1973, e apesar da forte amizade que o unia ao meu pai, seu colega no Banco, estava longe de imaginar que acabara de conhecer um Homem que me viria a tratar como um filho, até ao final da sua vida.
Apenas foi meu chefe dois anos, até meados do ano de 1975, tempo mais do que suficiente para aprender a admirar-lhe a bondade, lealdade, dignidade, e integridade, bem como o seu imenso prazer em viver a vida.
Fadista nato, e grande admirador de Alfredo Marceneiro, imitava a sua voz, rouca, em fados cuja letra sabia de cor, sendo em seu redor que se animavam as festa de convívio, entre familiares, e amigos, que tinham lugar em minha casa.
Tantos são os episódios vividos em conjunto, e tantas as memórias e recordações, que se torna difícil em escolher um, para ilustrar o Homem de quem vos falo.
Ainda assim, escolho relato-vos um episódio que evidencia a marca distintiva desse Grande Homem, que era o Gordo:
Corria o início de 1974, e os bancários estavam em greve.
As paralisações, que se estendiam por toda a banca, com concentração em volta dos Bancos, começaram por ser, se bem me recordo, de cinco de minutos, depois dez, quinze, e por aí diante, até à meia hora.
Todos os trabalhadores da secção do ultramar aderiram à greve, incluindo o Gordo, naturalmente, que fez questão de nos esclarecer que, apesar de solidário, se via obrigado a abrir as portas do Banco, na Rua de São Nicolau, no horário previsto.
Ao segundo, ou terceiro, dia de paralisação, chegava a ordem, para que ele identificasse todos os funcionários que tinham aderido.
A resposta foi curta, e imediata, e o seu superior hierárquico, homem conhecido, e reconhecido, pela dureza de tratamento, com os subordinados, ao receber a informação de que todos estavam no local de trabalho, à hora indicada, mandou chamá-lo.
Sabia bem, por ser do conhecimento de todos, que a informação que recebera não correspondia à verdade, e pretendia vê-la corrigida.
Mas o Gordo resistiu, estoicamente, sem recear eventuais represálias, e protegeu os seus colaboradores, e amigos, até ao fim.
Estávamos a poucos dias do 25 de Abril, em plena ditadura, e nunca chegámos a saber quais poderiam ter sido as consequências desse seu acto.
Mas acredito que essa sua atitude possa ter contribuído para retardar a sua promoção, na carreira, mesmo em pleno período democrático. Há coisas que nunca se esquecem...
Porém, as memórias de tantas coisas boas que vivemos, juntos, que afluem ao meu cérebro, em catadupa, neste momento de profunda tristeza, são impossíveis de descrever.
De olhos turvos, e ainda a procurar refazer-me do choque, acrescento, apenas, que a Amizade e Admiração, que comecei por sentir por ele, se foi fortalecendo, com o tempo, a ponto de se ter transformado em Amor.
Perdi um segundo pai, e é por isso que escolhi a foto acima, para ilustrar estas linhas.
Ao recordar a memória do meu pai, e do Gordo, o meu profundo desejo é o de que possam estar, agora, em amena cavaqueira, onde quer que estejam, perpetuando os maravilhosos momentos de Amor, e Alegria, que proporcionaram a todos os que lhes eram queridos.
E não resisti a fazer uma adaptação da letra de um dos fados mais conhecidos de Alfredo Marceiro, "O Louco", por eles tantas vezes cantado, em dueto, para lhes dizer o que me vai na alma, neste momento de profunda tristeza:
O lenço que me ofertaram,
tinha um coração no meio,
e agora, que me deixaram,
eu fui-me ao lenço... e guardei-o!
À minha querida Tia Idalina, sua mulher, deixo um longo beijo, e um abraço, muito apertado, do filho que ela não teve, mas adoptou, sempre com imenso amor, e carinho.
Ao Carlos Manuel, seu único filho, e bom amigo, deixo um abraço cúmplice, de quem sabe o que é a angústia, e o sofrimento, na hora da perda de um pai.
Aos restantes familiares, e amigos, quero expressar os meus sentidos pêsames.
Com a morte do Gordo ficámos, todos, muito mais pobres.
ATÉ SEMPRE, AMIGO!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário